Academia de Curadoria

Termo de Uso*


por Ana Avelar, coordenadora do AdC.
Um dos episódios da série Black Mirror traz a história de uma protagonista cuja vida é retratada numa série de uma plataforma de streaming. Ao se dar conta do que acontece, ela nota que havia consentindo com a ação ao assinar o termo de uso da empresa, tornando-se refém de uma ardilosa armadilha escondida nas entrelinhas, bem como muitos outros espectadores. A pegadinha é que Salma Hayek, que interpreta a protagonista na série de sua vida, vendeu sua imagem para a mesma plataforma e também está refém do contrato que assinou. As duas mulheres se unem contra a plataforma, quando descobrem que ambas foram ludibriadas. A solução para a situação é destruir o computador central, uma inteligência artificial que produz as séries envolvendo diversos consumidores da plataforma que, inadvertidos, também concordaram com os termos de uso.

Assim, a exposição Aceitar e Continuar, terceira mostra da coleção ARTEMÍDIAMUSEU, produzida pela Academia de Curadoria, reflete sobre os pactos que fazemos com a cultura digital e como, na vida imitando a arte, estamos agindo sem avaliar as consequências de nossas escolhas automatizadas.

Nesse sentido, ao acessar e participar desta exposição, pedimos que se atente aos seguintes termos e condições:


Consentimento:

Ao ingressar na exposição "Aceitar e Continuar", você consente em interagir com as obras de arte e os conceitos apresentados, reconhecendo que sua experiência pode envolver questões relativas à cultura digital, tecnologia, inteligência artificial e outras temáticas contemporâneas.

Nesta exposição, quatro artistas se encontram. Narrativas inventadas interferem na realidade demonstrando o que há de ficcional no cotidiano; mundos são criados em justaposição aos nossos; naturezas são produzidas e reproduzidas segundo regras do nosso desejo.

Nas obras de biarritzzz, discutindo passado e futuro no presente digital, a memória é assunto, mas sua criação parte daquilo que desejamos. Não conseguimos buscar nossas memórias, porque estamos submetidos às timelines das redes sociais, diz a teórica e artista Giselle Beiguelman. A divulgação de nossas vidas, registradas diariamente em inúmeras fotos de celular, supera as próprias experiências. A nostalgia que aparece no poema de biarritzzz, como um sonho apoiado em ancestrais, está repleta, não de um tempo apenas vivido, mas desse tempo desejado.

Se esse tempo metaforizado na ampulheta aparece em biarritzzz, nos trabalhos de Gilbertto Prado e Suzete Venturelli o tempo ironizado é o da tecnologia em sua corrida pela atualização e submetida à obsolescência programada. O corpo encontra a máquina. A vida e a morte encontram a máquina, brotando e perecendo. Embora androidizados, não somos mais eficientes.

Já em Denu, o tempo se eleva quando ecossistemas vivos e digitais de uma estética game-like respiram como que dentro de redomas protegidas, estufas de plantas surrealistas opticamente táteis. 


Imagens Pobres e Mesquinhas:

Em 2009, a artista alemã Hito Steyerl propôs o conceito de “imagens pobres” (poor images) como maneira de compreender a imagem digital contemporânea, descrevendo essa imagem como de qualidade inferior, de baixa resolução, uma imagem-fantasma, “distribuída gratuitamente, esmagada em conexões digitais lentas, compactadas, reproduzidas, remisturadas, copiadas e coladas noutros canais de distribuição”[1]. Steryel estava consciente do caráter contraditório traduzido pela imagem pobre, como expressão social – se, por um lado, essa imagem circula abertamente incomodando o fetiche da qualidade digital e proporcionando a inclusão de muitos, por outro, ela é a consequência pirata de um mundo excessivamente privatizado. A imagem pobre revela pouco sobre o original, porque não é isso que lhe interessa; ela diz respeito à circulação e dispersão digital e ao tempo fragmentado.

Este ano, Steryel apresentou outro conceito que avança a ideia de imagem pobre. Interessada na imagem “mesquinha” ou “perversa”, a noção de “mean images” destaca o trabalho HUMANO explorado e encobertado pela imagem digital. O termo “inteligência artificial”, dizem alguns, não revela sua estrutura predatória em termos físicos e humanos – dos gigantes data centers do Google ao redor do globo à exploração de minas de lítio para as baterias de equipamentos eletrônicos. Não deixando de ser imagens pobres, as imagens mesquinhas são produto da invisibilidade de microtrabalhadores e microtrabalhadoras que fazem o aprendizado de máquina, sendo assombrados pela violência das imagens a que são expostos e que precisam avaliar. Indivíduos exigidos a funcionarem como robôs, destituídos de subjetividade. A “nuvem” ganha, assim, um aspecto real, palpável e perverso, em oposição à imagem imaterial que a metáfora sugere.


Responsabilidade:

Você é responsável por sua interação com as obras de arte e conteúdos expostos. Entendemos que as obras apresentadas podem levantar questões complexas e desafiadoras. Lembre-se de que sua participação é voluntária, e você é livre para explorar a exposição de acordo com seu interesse e disposição.



Regime de Informação:

“Chamamos regime de informação a forma de dominação na qual informações e seu processamento por algoritmos e inteligência artificial determinam decisivamente processos sociais, econômicos e políticos em oposição ao regime disciplinar. Não são corpos e energias que são explorados, mas informações e dados. Não é, então, a posse de meios de produção que é decisiva para o ganho de poder, mas o acesso a dados utilizados para vigilância, controle e prognóstico de comportamento psicopolíticos. O regime de informação está acoplado ao capitalismo da informação, que se desenvolve em capitalismo da vigilância e que degrada os seres humanos em gado, em animais de consumo e dados”[2].

A comunicação demonstra seu caráter mais poderoso na contemporaneidade do capitalismo da informação. Segundo Byung Chul Han, na atual realidade da exploração do trabalho, substitui-se o isolamento das pessoas por conexões, “redes de comunicação”[3]. Defende-se a visibilidade e a transparência, em nome da comunicação, mas o que se tem é a vigilância. Nossa privacidade, e a dos outros, é a moeda de troca.


Privacidade:

Reconhecemos a importância da privacidade na era digital. Esteja ciente de que a exposição "Aceitar e Continuar" não coleta informações pessoais dos visitantes. No entanto, recomendamos que você revise as políticas de privacidade das plataformas e serviços que possa utilizar durante sua visita.


Criatividade Artificial:

Neste ano, Manovich e Emanuele Arielli escreveram sobre a estética da inteligência artificial e o mito antropocêntrico da criatividade. Para os autores, aquilo que as IAs produzem geralmente é um “maneirismo computacional”, ou seja, criam a partir de modelos preexistentes que lhes são transmitidos como dados, algo distinto daquilo que produzimos (embora possamos produzir também por meio de modelos, como mostra a história).

Ao abordarem a noção de criatividade para humanos e máquinas, afirmam que “não se trata de humanizar o que é não humano, porém de desenvolver uma compreensão da agência não humana e não antropocêntrica”. Mais relevante ainda é a noção de que a arte traz um problema conceitual complexo para se enfrentar os debates sobre IA, uma vez que sempre foi considerada um “domínio quintessencialmente humano”[4].


Conteúdo e Interação:

A exposição apresenta obras de arte que exploram a relação entre humanos, tecnologia e cultura digital. Você está autorizado a interagir com as obras, fazer anotações e compartilhar suas impressões nas redes sociais, desde que respeite os direitos autorais e a integridade das obras e conceitos apresentados.


“Não seria exagero afirmar que a cultura visual contemporânea é indissociável da produção imagética das redes”[5]. Giselle Beiguelman comenta que, em 2021, “mais de mil fotos por segundo eram disponibilizadas no Instagram”. Será que nossa atitude de fotógrafos incansáveis diante da vida indicaria uma relação de confiança entre a humanidade e robôs (como queria Isaac Asimov) ou uma completa dependência dessas próteses? Segundo a artista, há ainda uma estética característica dessas imagens realizadas às pressas e consumidas em pencas – um olhar que não está pautado na arte contemporânea ou no cinema. Como afirmava o teórico Lev Manovich, em 2015, há fotos casuais – para documentar e compartilhar algo corriqueiro - profissionais – que repetem padrões da história da fotografia popularizados pela própria internet - e de design – que se alinham com estilos de vida considerados descolados -, entendendo as diferentes atitudes diante da produção da imagem. 


Reflexão e Debate:

Encorajamos a reflexão crítica e o debate construtivo sobre os temas abordados na exposição. Compartilhe suas opiniões e questionamentos com outros visitantes, mas lembre-se de manter um ambiente respeitoso e inclusivo.

Nesse aspecto, esta exposição responde com arte a questões que não são respondidas pela teoria. Para que se configure a obra de arte aqui é preciso um lastro reflexivo sobre a sociedade e a contemporaneidade, a partir de instrumentos que são digitais. Nesta exposição todas as obras enfrentam ambiguidades e contradições que a tecnologia carrega; sem exceção, estamos diante de visões incomodadas com o otimismo digital e tecnológico. É o desencantamento com as promessas de progresso dos dataístas e a revelação de que os dados não trarão, por si mesmos, mudanças sociais que regem a perspectiva desses artistas. A tecnologia é absorvida como é possível frente às adversidades da sociedade e da política global. Entre os mundos inventados de Denu e as memórias ficcionalizadas de passado e futuro de biarritzzz às redes comunicacionais construídas por Gilbertto Prado e os corpos ciborguizados de Suzete Venturelli, a coleção ARTEMÍDIAMUSEU oferece ao Museu Nacional da República obras que desafiam a cultura digital das Big Techs e se posicionam como defensoras da navegação crítica no digital. Nesse sentido, este texto curatorial como termo de uso reproduz um contrato estabelecido entre corporações de interesse no capital e pessoas que, como no episódio da série Black Mirror, vivem sendo envolvidas pelos discursos fascinantes e hipnóticos das redes digitais, pouco cientes das teias de enredamento das quais se tornam reféns indefesos em nome de uma comunicação que agora é prisão. 

Aceitar e Continuar:


*Este texto foi escrito por mim e colado no ChatGPT instruindo que criasse um Termo de Uso. Os trechos em negrito são o resultado apresentado pelo software; os demais trechos são de minha autoria.

[1] STEYERL, Hito. “In defense of the poor image”. E-Flux, 10, nov. 2009, p.1.
[2] HAN, Byung Chul. Infocracia: digitalização e a crise da democracia. Petrópolis, RJ: Vozes, 2022, s.p.
[3] HAN, 2022, p.11.
[4] ARIELLI, Emanuele e MANOVICH, Lev. AI-aesthetics and the Anthropocentric Myth of Creativity. Disponível no site: http://manovich.net/index.php/projects/tag:Article. Acesso em 19 out. 2023.
[5] BEIGUELMAN, Giselle. Políticas da imagem: Vigilância e resistência na dadosfera. São Paulo: Ubu, 2021, p.31. 









Museu Nacional da República


Coleção ARTEMIDIAMUSEU

por Sara Seilert,
diretora do Museu.


O MUSEU Nacional da República recebe e apresenta com alegria a mostra virtual Aceitar e Continuar. Esta terceira exposição de arte digital realizada no MUSEU é parte da parceria com o grupo de pesquisa Academia de Curadoria, laboratório de práticas curatoriais e crítica de arte vinculado à Universidade de Brasília (UnB) e que conta com apoio da Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF). Este projeto de curadoria compartilhada recebe o nome #ARTEMÍDIAMUSEU e propõe a criação de uma coleção de arte digital viva, ampliada com novas aquisições, a partir de mostras.

O projeto #ARTEMÍDIAMUSEU se iniciou no momento em que o MUSEU completava 15 anos de atuação. O MUSEU Nacional da República é um museu novo, com um acervo em construção e se percebe inserido nas reflexões mais atuais do campo da pesquisa em arte, da cultura visual e da museologia.

Localizado em Brasília e administrado pela Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (SECEC-DF), o MUSEU Nacional da República é uma instituição pública, sem fins lucrativos, a serviço da comunidade e do seu desenvolvimento, com a missão de elevar e revelar, ao maior número de pessoas possível, a arte e a cultura visual contemporânea, com vistas a seu incentivo, à sua difusão e a seu reconhecimento pleno como bem cultural universal.

Pautado pela liberdade de expressão, este MUSEU visa ainda abrigar manifestações culturais que contribuam para a pesquisa e a experimentação das diversas linguagens artísticas e culturais, assim como seu fomento, sua difusão e a facilitação de seu acesso, por meios formativos e informativos ágeis, globais e socioeducativos.

A arte digital está presente no acervo do MUSEU, que já conta com mais de 1.400 obras, em múltiplas técnicas e linguagens artísticas produzidas no Brasil desde meados do século XX até os dias atuais. O projeto #ARTEMÍDIAMUSEU está ampliando e atualizando este acervo, acompanhando os movimentos de reinvenção do circuito artístico contemporâneo.

Agradecemos a toda equipe da Academia de Curadoria e a generosidade dos artistas Biarritzzz, Denu, Gilbertto Prado e Suzete Venturelli que participam desta exposição e que doaram obras ao acervo do MUSEU Nacional da República.







Esta exposição faz parte do projeto de pesquisa em Edutech “ARTEMÍDIAMUSEU”, financiado pela Fundação de Apoio à Pesquisa do Distrito Federal (FAP/DF.)